O livro amarelo

"Though friends encouraged him to convert to Roman Catholicism, he never did (his executor, Robert Boss, brought in a priest at his deathbed, and though Wilde was received into the Catholic church, he may have been unconscious at the time)."
Excerto das notas de autoria de Lisa Rodensky sobre Oscar Wilde, um dos poetas decadentes representado no muito aconselhável, não só pela selecção de poetas e poemas mas também pelos apontamentos bibliográficos e explicações dos poemas: "Decadent Poetry: from Wilde to Naidu". (Penguin Classics)
Ficamos a saber, para além da alta probabilidade de Oscar Wilde ter sido "recebido" na Igreja Católica inconsciente, que o livro amarelo que Dorian Gray (do Retrato de Dorian Gray, publicado em 1890 pela Lippincott's Monthly Magazine, romance da autoria de Oscar Wilde e texto decadente, no sentido literário, por excelência) recebe do insidioso Lord Henry é "À Rebours" de 1884(traduzido ora por Against the Grain, ora por Against Nature) de Joris-Karl Huysmans.
Sobre o livro, apenas identificado no romance como o livro da capa amarela (ver capítulo X), Dorian, quando inquirido por Lord Henry sobre se lhe teria agradado o presente, responde apenas que não tendo gostado do livro, ficou "fascinado" por ele. O livro, assim como Lord Henry, vem a exercer uma influência poderosa sobre o permeável Dorian. O livro confunde-se, para ele, com a sua própria existência. O Retrato de Dorian Gray é também uma história de obsessão.
"For years, Dorian Gray could not free himself from the influence of this book. Or perhaps it would be more accurate to saythat he never sought to free himself from it. He procured fromParis no less than nine large-paper copies of the first edition,and had them bound in different colours, so that they might suithis various moods and the changing fancies of a nature overwhich he seemed, at times, to have almost entirely lost control.The hero, the wonderful young Parisian in whom the romanticand the scientific temperaments were so strangely blended,became to him a kind of prefiguring type of himself. And, indeed, the whole book seemed to him to contain the story of his own life, written before he had lived it." D'O Retrato de Dorian Gray
A fixação de Dorian Gray pelo livro de Huysmans, o livro que lhe mudou a vida, faz-me pensar, paradoxalmente, no quão absurdo me parece perguntar a alguém pelo livro (ou livros) que mudou a sua vida. E a inversa também é verdadeira.
Os livros, os filmes, a música enriquecem vidas, naturalmente, ou enriquecem sinergias, mais rigorosamente. Estabelecem pontes com outros livros e autores (Wilde com Huysman; Gonçalo M. Tavares com Robert Walser, por exemplo). Lêem-se livros por causa de outros livros (George Eliot por causa de Virginia Woolf) , ouvem-se músicas por causa de outras (Broken Social Scene por Feist), filmes por causa de músicas, músicos por causa de filmes (Django por causa de Woody Allen). Ligar é a palavra de ordem.
Mas não se fazem coisas por causa de livros. Palavras e actos, para este efeito, são estanques. Imagine-se o que seria a cadeia de imputabilidade. O que seria do pobre Sallinger com o seu Catcher in the Rye sempre na companhia de assassinos famosos. Não se fazem coisas por causa de livros. O inferno são os outros e os outros e as cadeias de acontecimentos iniciadas por outros carregam esse potencial de mudança. Os objectos não têm, felizmente diga-se, esse poder.
Por isso à pergunta "que livro mudou a tua vida?" respondo invariavelmente: nenhum.

Nuk ka komente:

Ruas sem saída