Premissa, Pergunta, Hipótese, Ideia, Conclusão

Premissa, Pergunta, Hipótese, Ideia, Conclusão

O que é a alma?

Viu um filme em que alguém, um louco, legalmente louco, dizia que as mulheres não têm alma. Ele disse a uma mulher: “Tu não tens alma”. Se perguntares a alguém o que é a alma, alguém que passe por ti na rua, a caminho de outro dia igual aos anteriores, dir-te-á que és louco. Talvez legalmente louco. Interditar-te-ia se pudesse. Ninguém anda pela rua perguntando aos outros o que é a alma. Ideia: As pessoas perguntam as horas, mas não ousam perguntar o que é a alma.

Tem alma?
Viu um filme em que alguém, um louco, legalmente louco, dizia que as mulheres não têm alma. Ele disse a uma mulher: “Tu não tens alma.”. Se perguntares a um desconhecido se ele tem alma, ele dir-te-á que sim. Ninguém ousaria admitir o contrário. Alguém dizer-te, corajosamente, eu não tenho alma, eu sou só corpo, é coisa nunca vista. Pergunta: Se achas que não tens alma, o que é que tens dentro do corpo?

“Tomei atenção ao facto de, enquanto queria assim pensar que tudo era falso, era necessário que eu, que o pensava, fosse qualquer coisa; e reparando que essa verdade: penso, logo existo, era tão firme e segura que todas as suposições extravagantes dos cépticos não eram capazes de a abalar, julguei que podia considerá-la sem escrúpulos como o primeiro princípio da filosofia que procurava.
Depois, examinando atentamente o que eu era, e vendo que podia fingir não ter corpo ou que não havia nenhum mundo, nenhum lugar onde estivesse, mas que podia mesmo assim pretender não existir; e que, pelo contrário, pelo facto de que podia pensar duvidar da verdade das outras coisas, deduzia-se com muita certeza e evidência que existia; enquanto que, se tivesse deixado de pensar, ainda que tudo o resto que tinha imaginado fosse verdade, não tinha nenhum motivo para acreditar que existisse: daí concluir que era uma substância cuja essência e natureza é apenas pensar, e que para existir não depende de nenhum lugar nem de nenhuma coisa material; de tal modo que esse eu, isto é, a alma através da qual sou aquilo que sou, é inteiramente distinta do corpo, e que embora ele não existisse, ela não deixaria de ser tudo aquilo que é.”
Descartes, Discours de la méthode, (1637) IV Parte


“Ma petite connasse”*
Dizia o louco, o legalmente louco, que os homens, ao contrário das mulheres, têm alma. Vivem numa linha recta, e morrem. As mulheres viveriam em bolhinhas que se intersectam, uma e outra vez. Penso no sentido que fará dizer que os homens vivem numa linha recta e as mulheres em bolhinhas que se intersectam. Acaso será extraordinário dizer que há uma linearidade masculina absolutamente dominante e desconcertante? Linha recta. De pensamento. Somos nós, mulheres, que colocamos demasiadas questões ou eles que não colocam nenhuma? Hipóteses: Se o género pudesse ser graficamente representado os homens seriam linhas rectas, decididas, resolutas e impassíveis perante outras complexidades que não as deles? E as mulheres? Seriam círculos angustiados virados sobre si mesmos colocando-se uma infinidade de perguntas, hipóteses e sub-hipóteses?

*Expressão utilizada por Ismael (Mathieu Almaric), no diálogo do filme: “Reis e Rainha” de Arnaud Desplechin

Premissa: As boas intenções cedem perante a intransigência.
- Tu devias pensar menos.
- Se pensar menos deixo de existir.

O papel
Se quiseres, legalmente, podes pedir que alguém seja considerado louco. Podes impedir que alguém disponha dos seus bens ou decida como viver a sua própria vida. Não há poder maior do que aquele conferido ao julgador. Podes acordar, um dia, e ficar louco. Porque alguém pediu. Podes imaginar-te nessa situação. Podes imaginar-te na situação em que um papel te diz que estás louco porque alguém, um outro louco supõe, pediu. Conclusão: um papel não pode dizer-te que estás louco.

“Fecharam-me aqui para a mãe não me ver morrer.
Johana diz que compreende.
A mãe não deve ver a filha morrer.
Johana corta os dedos de uma luva para depois a remendar com fio de lã.
É salvar dedos, diz, a rir-se.
Não tem tesoura. Rasga os dedos da luva agarrando-a com força e puxando depois com os dentes.
A minha mãe tinha dentes fortes, diz Johana.
Fecharam-me aqui para ela não ver os meus dentes.
A minha mãe fechou-me aqui.”

Gonçalo M. Tavares, Jerusalém

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Ruas sem saída