Gosto dos “meus” escritores em pedestais. Não me interessa conhecê-los profundamente ou buscar a preciosidade autógrafa na obra feita e comprada. Não me preocupa perscrutar personalidades e descobrir vícios e manias inconfessáveis. A criatura mais defeituosa pode produzir a mais extraordinária das prosas. E isso sempre será absolutamente irrelevante.
Não me demovem, assim, os pedestais derrubados, e por isso mesmo situo a minha experiência de leitura de "Intellectuals" de Paul Johnson (que comprei de um ímpeto, sem saber exactamente ao que ia, embora me fique a lição para jamais comprar um outro livro de um Tory sem me inteirar devidamente) num voyeurismo incómodo e algo constrangedor.
Russel, Sartre, Rousseau, Ibsen, Hemingway e outros são escrutinados atendendo a extraordinários critérios, como sejam o número de mulheres com quem dormiram (Russel e Sartre), mau feitio (Rousseau), vícios (o alcoolismo de Hemingway), manias (Ibsen é especialmente ridicularizado pela sua obsessão com condecorações), má gestão das finanças pessoais (Marx e Shelley), tudo em face de uma exigência de absoluta (e nunca menos do que absoluta) correspondência entre a vida privada e a obra feita. A coerência deve ser total, porque tudo pode ser posto em causa e a qualquer pretexto. Sobre Simone de Beauvoir diz-se a dada altura, referindo-se à relação, alegadamente de subserviência emocional e intelectual, que esta manteve com Sartre, já que as mulheres neste livro só uma vez merecem capítulo autónomo, sendo nos restantes casos referidas relacionalmente e quase sempre para efeitos de prova da promiscuidade dos intelectuais visados: "in her own life she betrayed everything it [o feminismo] stood for"(pág. 236). Deste regurgitar moralista de quase quatrocentas páginas não retirei nada mais do alguns momentos de voyeurismo quase tablóide.
Um desfile de horrores. À lupa, nada parece, nem poderia parecer, impoluto.
"Johnson has made a career as an especially bilious and persecuting moralizer. His disgraceful book "Intellectuals," a foul-minded assault on the Enlightenment, laid a feverish stress on the private lives of secular and rationalist intellectuals. Rousseau was not only "vain, egotistical and quarrelsome," but he "enjoyed being spanked on his bare bottom." Ibsen "would not expose his sexual organ even for the purpose of medical examination. Was there something wrong with it -- or did he think there was?" I don't need to draw you a picture: With sermonizers like this it's just a matter of setting one's watch. Give it just a little time and -- presto! We open the tabloids to see their withered haunches bared to the slipper, and the haggard remnants of their Johnsons exposed to the cruel light of day. (Oxford English Dictionary: Johnson. A common surname, used in low slang to designate: a)The penis. b) A man who is kept by a prostitute or prostitutes; a ponce.)"
Christopher Hitchens, na Salon
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