Idolatrias (i)

Em conversa com um confessado detractor da filmografia de Woody Allen, comentei que não gostava que me lembrassem, porque não gosto de ver as minhas adorações perturbadas, do incidente com a filha adoptiva. Como se qualificar como incidente o que, por imposição da axiologia pessoal, reputo muito perto do amoral (e, do mesmo passo, questiono a minha legitimidade para o fazer), fizesse daquilo coisa menor e me deixasse livre para pensar na obra maior. Ocorrem-me então as acusações de pederasta e pornógrafo de que foi “vítima” Egon Schiele. Schiele que, note-se, era um homem invulgarmente bonito e se via permanentemente desfigurado, como sugerem vários dos seus auto-retratos. Aqui, como no retrato "da verdade" que idealizou Oscar Wilde para Dorian Gray, reina a desconformidade e, talvez, a deformidade. Por mais que me tente convencer que um dos meus pintores preferidos foi um incompreendido à época, não fazendo mais do que usar algumas jovens indigentes como modelos, alguma coisa, olhando para os seus quadros, me faz pensar em Allen e adorações que não se querem perturbadas.


Auto-retrato de Egon Schiele


In their leanness, Schiele's figures might be said to resemble those of Picasso's Blue Period. But Picasso's figures are gaunt because they are poor and needy, whereas Schiele's have no thought for eating, as their only hunger is for sex. They are like illustrations of a thesis of Sigmund Freud, Schiele's fellow Viennese, that human reality is essentially sexual. What I mean to say is that there is no art-historical explanation of Schiele's vision. Expressionism was certainly in the air in Mitteleuropa in those years. But his drawings look like nothing one would see by artists who belong to movements like Die Brücke ("The Bridge") or Der Blaue Reiter ("The Blue Rider"). The German Expressionists used heavy black outlines and were inspired by a vision of primitivism. My own view, hardly inspired, is that Schiele expressed what Freud describes in his central thesis about human nature and conduct--that from infancy on, sex relentlessly holds us in its grip.”

Live Flesh, Arthur C. Danto, “The Nation”.

1 koment:

cuscavel tha...

Não sei se a incompreensão, face a Schiele, é datada. Recordo-me que a primeira vez que vi o "Nu de cabelo negro" achei que roçava a pedofilia...

Mas que é genial compreende-se facilmente!

Ruas sem saída