De Oxbridge

Virginia Woolf sobre Jane Austen:
"(...) Jane Austen escreveu assim até ao fim dos seus dias. « Como foi capaz de conseguir tudo isto», escreve o sobrinho na sua Memoir: «É surpreendente, pois não possuia um gabinete de trabalho separado a que recorresse e a maior parte da obra deve ter sido feita na sala de estar comum, sujeita a toda a espécie de interrupções ocasionais. Tinha o cuidado de os criados, visitas ou quaisquer pessoas, para além do grupo familiar, não suspeitarem do que se ocupava». Jane Austen escondia os manuscritos ou cobria-os com um mata-borrão. Mais uma vez, nesse tempo, toda a preparação literária que uma mulher tinha nos princípios do séc. XIX consistia na observação do carácter, através da análise da emoção. (...) Portanto, quando a mulher da classe média passou a gostar de escrever, escreveu naturalmente romances (...). Jane Austen, porém, ficava satisfeita por uma dobradiça ranger para que tivesse tempo de esconder o manuscrito antes que alguém entrasse. Para Jane Austen havia algo de inconveniente em escrever Pride and Prejudice. E eu gostaria de saber se Pride and Prejudice teria sido um romance melhor caso Jane Austen não tivesse julgado necessário esconder o manuscrito das visitas. Li uma página ou duas para verificar, mas não consegui encontrar indícios de tais circunstâncias terem minimamente prejudicado o seu trabalho. (...) Era impossível para uma mulher passear sozinha. Nunca viajou; nunca atravessou Londres de diligência ou almoçou fora de casa sozinha. Talvez fizesse parte da maneira de ser de Jane Austen não querer aquilo que não tinha."

Excerto de "Um Quarto só para si" de Virgina Woolf (Ed. Relógio D'Água), ensaio publicado em 1929, fruto de uma série de conferências em Cambridge subordinadas ao tema "As mulheres e a ficção". Virgina Woolf especula, neste ensaio, sobre a existência de uma irmã de Shakespeare, igualmente dotada, mas condenada à obscuridade por nunca ter tido "um quarto só para si". E ter um quarto só para si significava ter a independência económica que permitia a uma mulher escrever ficção financeira e por isso intelectualmente livre. Sem as amarras da uma vida de privações ou, por outro lado, sem algumas das frivolidades de um registo confessional que, segundo Woolf, nada tem que ver com a Literatura.
O excerto é sobre Jane Austen que não teve "um quarto só para si", mas usou, como facilmente perceberá quem ler os seus livros, a sua condição em seu benefício. Woolf reconhece-lhe limitações, tal como Nabokov que sobre Jane Austen, apesar de se referir ao seu génio maravilhoso, escreveu: " a sua imaginação em relação a paisagens, gestos, cores e outras coisas é muito contida. É um verdadeiro choque chegar ao sonoro, corado e robusto Dickens depois de conhecer a requintada e pálida Jane. Esta mal usa comparações através de símiles e metáforas." (Nabokov, Aulas de Literatura)
Dickens teria, provavelmente, "um quarto só para si".
Belíssimo e incontornável livro para feministas, porque um tratado feminista por excelência, mas também para todas as outras e outros.

2 komente:

cuscavel tha...

Oxbridge será assim tão longe? Tardas em voltar. :)

Inês Leitão tha...

eu não conhecia este blogue mas tenciono voltar aqui muitas vezes.

Ruas sem saída